Saga da Cidadania Italiana - Patrick Siloti

A saga da cidadania italiana em nosso núcleo familiar (descendentes do Antonio Siloti que partiu do Espirito Santo e se fixou em Assis Chateaubriand no Paraná), até onde eu tenho conhecimento, começou com minhas tias Maria Auxiliadora e Deusa Siloti, que iniciaram as buscas por documentos, mas não finalizaram o processo pois, não conseguiram juntar toda a documentação necessária. Quando tomei conhecimento que minhas tias estavam montando o processo com toda a papelada, ainda em 2004, fiquei muito interessado e me coloquei a disposição para ajudar, mas não me movimentei além de desejar e torcer pelo sucesso delas, não tinha nenhum conhecimento do que poderia fazer pra ajudar na busca que elas estavam capitaneando. Alguns anos depois, soube que não tiveram êxito na localização de todos os documentação necessários (na época, ainda sem maiores detalhes), confesso me dei por vencido e não acreditei que em algum outro momento conseguiríamos dar sequência, se elas, com todo o engajamento e conhecimento histórico da família não haviam conseguido, eu dificilmente agregaria algo novo que pudesse ajudar nessa busca. No entanto, fevereiro de 2015 navegando no grupo da família Siloti no Facebook, a partir de uma postagem do Florindo Silote em 11/02/2015, solicitando informações históricas da família, percebi que naquele grupo, bem na minha frente, poderia ter acesso instantâneo a uma infinidade de direções que de fato poderiam me orientar nessa jornada, e me ajudar nesse processo. Ali nesse mesmo grupo, percebi que um primo chamado Lázaro Silotti (filho do Jorge Silotti, neto do Francisco, que era irmão do meu avô Antonio), estaria finalizando a sua documentação para apresentar diretamente na Itália, e sendo ele da mesma descendência do Sebastiao Siloti, me inspirei a buscar os pormenores do porque não tínhamos conseguido anos atrás. Enfim, essa história toda me despertou interesse e curiosidade, mas ainda não era a hora de dar os meus próprios passos, nesse momento estava morando e trabalhando no Pará, e não teria tempo para essa empreitada, de qualquer forma minha semente estava plantada. Em junho de 2016, morando em Vitória e após finalizar um contrato de trabalho, decidi que aquele seria meu momento ideal para realizar esse projeto, o primo Lazaro a essa altura já havia ido pra Itália e apresentado a sua documentação no Comune de Trezzano Sul Naviglio e já tinha vivenciado a busca por todos os documentos e sua experiência seria muito útil, decidi então, por em pratica meu plano para viajar ainda em Outubro de 2016 pra Itália, tinha 4 meses para deixar tudo pronto. Com meu plano e a cabeça feita, era hora de pôr a mão na massa.

Após estudar em diversos blogs sobre esse tramite de preparação da documentação requerida e com tudo mapeado, devo dizer que a princípio tudo me pareceu simples, precisava juntar apenas 11 certidões em inteiro teor, reconhecer firma, traduzir, juntar uma certidão de negativa de naturalização do ministério das relações do exterior, legalizar tudo e partir pra Itália. La fui eu, pelo começo, certidões de inteiro teor. Fui atrás das minhas tias para conseguir as copias das certidões disponíveis e solicitar aos cartórios por e-mail/telefone uma cópia em inteiro teor, obviamente as minhas e de meu pai, tínhamos copias e foi bem simples o contato com o cartório e o despacho por correio da documentação, assim foi com parte da documentação do meu avô, como o Óbito, que inclusive já havia sido retificada a pedido da minha tia Deusa, até aí 100%, o problema começou na certidão de Nascimento, que não tínhamos cópia.

Deduzi por conta de uma declaração de idade e de casamento, que a mesma deveria estar entre os cartórios de Jaciguá, Princesa ou Rio Novo do Sul. Meu primeiro e mais provável alvo era o cartório de Rio novo do Sul, uma vez que o Lazaro havia localizado após certa dificuldade o documento do Francisco, irmão do meu avô. Descobri esse cartório havia recebido o arquivo do extinto cartório de Princesa, que cobria a região de Arroyo das Pedras, onde o recém formado casal Sebastiao e Amabile moravam quando iniciaram sua família. Após diversas tentativas frustradas de contato, algum tempo depois me retornaram dizendo não haviam localizado minha certidão, ciente do histórico problemático desse cartório, já que o primo Lazaro havia me alertado da dificuldade em obter informações precisas deles, além da desorganização e completa falta da empatia dos funcionários, não me dei por satisfeito e decidi ir pessoalmente a Rio Novo do Sul pra certificar da informação, a atendente não aceitou muito bem minha insistência, mas a convenci de que certamente o registro do meu avo estaria naqueles livros, pois de seus irmãos estavam, (na verdade 8 dos 11), então, após minha insistência e sua falta de paciência em tratar comigo, a funcionária do cartório, aceitou que eu fizesse a pesquisa nos livros. Ao entrar no arquivo do Cartório, descobri um monte de livros centenários, caindo aos pedaços, sem qualquer organização, um estado lastimável, mas certo de que acharia, comecei a pesquisa, já estava escurecendo quando percebi que ainda faltava vistar pelo menos mais uns 10 livros, deixei pra continuar no dia seguinte. Após mais um dia lendo registro por registro dos livros da época, já tinha achado quase todos os irmãos, mas nada do meu avô. Desisti. Após tentativa frustrada com a pesquisa nos arquivos de Princesa e Rio Novo do Sul, cheguei no cartório de Jaciguá, e da mesma forma, partimos para a pesquisa dos registros dos livros da época, um a um,... final da novela, após quase um mês batendo na porta de cartórios pelo ES e me especializar em leitura de caligrafia de registro do século passado, encontramos o famigerado registro em um dos livros e finalmente completei a documentação inicial.

Como documentação complementar, foi solicitado ainda um outro documento emitido pelo Itamaraty, declarando que o Italiano não se naturalizou Brasileiro, apesar do documento ser emitido pela internet, para o carimbo do ministério e validade junto ao cartório, precisei contar com apoio de um despachante no Rio de Janeiro. Agora sim, pacote completo! Hora de Levar tudo no Consulado Italiano em Vitório para a legalização dos documentos, um carimbo do consulado reconhecendo a veracidade dos mesmos, mas antes de partir para o consulado, ainda restava o Reconhecimento da firma do escrevente que assina a certidão, e tradução dos documentos, lá se vão mais alguns dias e idas em cartórios...mas trata-se de um processo bem simples. *Esse tramite de Legalização já não existe mais, pois atualmente pode-se requerer diretamente a um cartório o apostilamento das certidões, para terem validade internacional.

Tudo pronto para a legalização, sabendo que o consulado atendia por ordem de chegada acordei as 4h da manhã e fui pro consulado que ficava a poucos minutos de casa, cheguei lá e já tinha uma fila, quando foi umas 9h da manhã, um atendente distribui senhas para as 20 primeiras da fila, peguei uma das ultimas senhas e aguardei minha vez, lá pelas 15:00, eles me chamaram pra apresentar a documentação, tudo certo, agora era hora de aguardar contato por e-mail para retirar a pasta legalizada. Hora de acertar os detalhes com a assessora que iria nos apoiar com a residência em Trezano Sul Naviglio e comprar as passagens, estimei que levaria cerca de 2 meses para a devolução da pasta e mantive a data da viagem, Outubro/16. Acompanharam-me nessa empreitada minha irmã Samira, que já carregava na barriga o Enrico, e a amiga Karla. Uns 10 dias antes da viagem, recebo o e-mail do consulado com a informação para retirar a pasta, tudo certo, hora de partir...
Após conexão em Roma, desembarcamos em Milão, 40 minutos após a chegada da minha irmã, que tinha um voo mais cedo na conexão para Milão. Ao desembarcarmos no saguão do aeroporto, encontramos a Samira batendo boca com o pessoal da companhia aérea, ela em português achando que todo mundo entendia perfeitamente ela, e as vezes parece que até entendia mesmo, e vice versa, entrei nessa conversa Alla Italiana, e descobrimos que eles haviam localizado a mala em Roma e estariam despachado pra Milão no próximo voo, aguardamos mais 1h e enfim a mala chegou. Após essa passagem pouco discreta do extravio da mala, a polícia de imigração italiana nos parou antes da saída para aquela típica inspeção, de forma individual, cada um num canto, começar a nos fazer perguntas enquanto abriam nossas malas para inspeção. Particularmente eu sabia que na ocasião, a viagem para reconhecimento da cidadania não era vista com bons olhos por certos italianos e preferi não mencionar, quando questionado, disse que estaria fazendo turismo, mas a inspeção não parou por ai, e no abre e fecha de malas, acharam um envelope de documentos escrito "cidadania Itália", ele pegou a pasta e levou pra outro agente ver, naquele momento, achei teria minha entrada barrada, e que não poderia entrar, pensei em meses juntando papel e enfrentando burocracia, foi segundos de desespero. Ele retornou e disse que podíamos fechar as malas e seguir, ufa... Do lado de fora do aeroporto o assessor já nos aguardava pra dar seguimento no processo, dali em diante, estávamos dirigidos, nos levaram para requerer o Codice Fiscale num posto dos correios e fomos pra casa, ainda no dia Seguinte, nos levaram ao Comune pra dar entrada e formalizar nossa residência italiana, e consequentemente formalizar nosso pedido.


Fomos então apresentados a responsável pelo departamento de Stato Civile, Sra Coco, que foi muito simpática e nos deu boas vindas e nosso tramite de reconhecimento de cidadania na Itália, já pedindo paciência antecipadamente, e mostrando pilhas de processos em andamento. Voltamos pra nossa residência em Trezano, bem mais tranquilos, mas ainda restava um outro procedimento para a confirmação da nossa residência lá, precisávamos aguardar a visita do Vigile, um guarda comunitário, que iria certificar que estaríamos residindo no endereço informado e então validar nosso pedido de residência. Aguardamos alguns poucos dias e a Assessora nos informou que estaríamos então liberados, pois a Vigile já havia nos vistoriado. Tudo certo! Agora era só aguardar. Aproveitamos a viagem para conhecer um pouco mais da Itália, antes de retornar para o Brasil, fomos turistar.

Já no Brasil, após cerca de 4 meses, fomos informados pela assessora que a Itália estaria questionando esse tipo de residência, já que estava sendo identificado abusos de imóveis que serviam de endereço para brasileiros em tramite de cidadania, mas que eles não residiam de fato no pais durante o tramite, pra piorar, os abusos eram resultado da ganância desses assessores, que declaravam no mesmo imóvel dezenas de moradores, consequência disso, maioria dos Comunes, incluindo o nosso, suspendeu os processos em andamento pois, na substituição dos Vigiles, seria preciso vistoriar todos os moradores novamente, para constatar que de fato residíamos nos endereços declarados. Frustração! Eu não poderia voltar, estava trabalhando, idem pra Samira, que estava prestes a ter o Enrico.

*Sei que alguns Comunes não suspenderam os processos e continuam fazendo vista grossa a esse ponto, já que existe um questionamento sobre residência e domicilio.


 Em junho de 2017, eu tomo mais uma vez a decisão de ir pra Itália, desta vez pra por fim nisso, ciente que precisaria ficar o tempo que fosse necessário para o tramite, comprei minha passagem para 4 meses, e decidi então que seria oportuno naquele momento, pois não estava trabalhando e seria conveniente, passar um tempo na Itália e estudar a língua, até porque que tipo de cidadão não fala a língua de seu pais? La vou eu de novo, de volta pro Comune de Trezano Sul Naviglio, dessa vez como morador de fato, me apresento novamente para a Sra. Coco e retomamos o processo do início, a vantagem dessa vez que como estava todos processos anteriores suspensos, a expectativa era de que seria rápido, e foi, passados 1 mês, o Comune despachou um pedido de Certidão de Non-Rinuncia para o consulado, onde eles questionam ao consulado, se o italiano negou a sua cidadania em qualquer circunstância. Essa era a última etapa. Cerca de 45 dias depois em agosto de 2017, o documento retornou do Brasil, e fui chamado pelo Comune para finalmente registrar meu Ato di Nascita no Comune de Trezano Sul Naviglio, e na sequencia já emitir a Identidade. Pronto cidadania reconhecida.

Após o processo junto ao Comune, solicitei então na Questura, um departamento semelhante a nossa polícia federal, para fins de requisição de passaporte, o meu passaporte Italiano, demorou mais uns 20 dias e enfim estava liberado pra retornar pro Brasil, devidamente documentado como Cidadão Italiano.

Em 25/07/19, recebi uma ligação do Vitor Silotti, irmão do Lazaro, dando a triste notícia do falecimento de seu irmão, que no início dessa minha jornada, foi a pessoa que me deu as primeiras dicas e principalmente me inspirou a seguir o seus passos e reconhecer a minha cidadania na Itália. Após ter a sua cidadania reconhecida, ele morou em Londres por um tempo mas foi ser feliz mesmo em Barcelona, onde pouco tempo após sua mudança, inesperadamente faleceu após uma infecção, algo que parecia simples, lhe foi fulminante. Tive a infelicidade de acompanhar o tramite do despacho do corpo de para o Brasil, e ver pessoalmente um jovem, bonito, com tanta vida pela frente, após todos os percalços na sua busca por felicidade, ter a vida ceifada de forma abrupta. Enfim, recebeu o chamado de Deus.




Autor: Patrick Siloti

Comentários